acredita?

o meu rosto na TV 

não diz absolutamente nada 

a vida precisa pegar no tranco

como um carro velho

enferrujado no canto da garagem 


se eu ainda tivesse a habilidade de sonhar

poderia ficar mais um tempo

perto do mar 


agora já não faz sentido

viver atento ao mundo é descaso comigo

antes de tudo é preciso

eu repito: é preciso



(Na mansidão dos teus olhos, Nina Pandolfo)


santo casamenteiro

Faço cálculos inexatos do nada. Persevero em minha ausência de fé... a TV já não me diz muita coisa porque tudo que eu preciso saber está dentro dos livros e da cabeça dos mais velhos. 

Se me pergunto a razão de tanto can$aço vejo as luzes da cidade grande ofuscarem o brilho dos meus olhos enquanto sonho em voltar para a roça. Suponho que viver seja manter sempre viva esta sensação de desconforto. Muitos podem dizer que não me encaixo nos lugares e na sociedade pela cor da minha pele ou porque a minha sexualidade fala antes de mim, mas a verdade é que a responsabilidade pela exclusão social não é minha.

Vocês não conseguem enxergar? Se falo em função social da propriedade estou automaticamente renunciando a minha autoridade acadêmica sobre o direito para falar de acordo com o que condiz o meu pensamento. As amarras da Academia já não me prendem nem um pouco. 

Talvez seja necessário um pouco mais de tempo até entendermos que nesta vida tudo passa muito depressa. Quando me dou conta de mim já não sou mais jovem, a energia se esvaiu e considero todas as minhas decisões equivocadas até então.

Se sou feliz? Não ousaria me definir de tal maneira. 

Estou vivo, isso é o que importa. 












Obra: Fragmentação, de Renato Rodyner (2020). 

breathing

todos os dias
antes de fazer minha oração ao Universo
peço conselhos imaginários
ao meu amigo Neruda, Pablo.

converso também com Cida
pelas redes sociais
como se tivéssemos intimidade
porque apesar da diferença de idade
somos iguais

agora já ñ peço favores
ñ pago dívidas
ñ defendo inimigos
ñ amo
e não sou amado.

todos os dias
durmo com dificuldade
o peso das ideias afundam o travesseiro
e eu desisto de tudo. 









Pintura: Amanhã para sempre, Margaret Keane (1984).