A magia do silêncio


Eu preciso entender o motivo de tanta austeridade. A genética favorece o lado cruel da existência, a personalidade rigorosa e um tanto crua com os iguais. É perverso alterar o mundo sobre si quando o que mais se quer é deixá-lo desabar. A correnteza não leva os pedaços que ficaram sobre a areia. Não há quem os carregue. Eles são definitivos, mas há quem os repare. Ainda não encontrei o anjo sobre qual os disserto, mas ainda o busco. E é uma busca silenciosa, calma. A pressa é inimiga da perfeição, lembra? É no silêncio que a magia acontece.

Melhor idade

A mulherzinha sorriu satisfeita: era a primeira vez que fazia aquilo. Estava um pouco envergonhada, meio cabeça baixa, mas estava contente. Que mulher na sua idade teria coragem de fazer aquilo? Nenhuma! Ela era um ótimo exemplo para as outras velhinhas. Provavelmente seria orgulho delas também. Tornar-se-ia uma heroína.
Pensando nisso que se levantou, colocou a roupa justa e saiu andando devagarzinho, para não acordar ninguém. Sentiu o vento lhe bagunçar o cabelo. Em outra ocasião, ficaria incomodada com aquilo, mas seu cabelo não tinha muita importância agora. Ela queria era sorrir para os sete ventos e cantar com os passarinhos. Queria dançar na chuva ao som das mais belas sinfonias desse mundo, queria deliciar-se com o gosto da primavera que chegava, queria gargalhar sem se importar com os dentes que lhe faltavam. Queria ser feliz...
E estava sendo, até que alguém lhe impediu de andar.
- Com licença. – Ela disse irreverente.
- Com licença? – O rapaz forte pegou a velha pelos braços – É só isso que tem a me dizer?
- Meu filho!
A mulher, assustada, tremeu-se por inteiro. Já não sentia as pernas e nada conseguia falar, tamanha a sua vergonha. Tentou explicar, mas sua voz era falha.
- Explique que cheiro de maconha é esse que você está exalando. Estava se drogando?
- Não, meu bebê. Só fumei algumas, não foram muitas.
- Então é com isso que você gasta o dinheiro que lhe dou para comprar os remédios?
- Foi somente uma aposta. – Ela engasgou com a própria saliva, tossiu. – Juro.
- Uma aposta? De quê? Sua dignidade?
O homem saiu e deixou que a sua mãe permanecesse isolada ao barulho da cidade. A vida corria depressa e a esperança da senhora parecia correr também. Para seu filho, era apenas uma drogada. Passou anos tentando refazer a sua imagem, aquela que tinha de presidiária por ter assassinado o infeliz que lhe engravidou e agora seu próprio filho a odiava. Gastaria outra vida para reconquistar o amor do rapaz. Pouco importava. Ela ainda tinha tempo e alegria de sobra para gastar.

Eu quero



Ando cansado do futuro incerto,
do medo e angústia.
Ando cansado de tudo que quero.
E ainda quando não quero nada,
já estou querendo alguma coisa.
Quero festa sem bilhete de entrada.
Quero colégio sem farda,
bebê sem fralda,
amor sem esmeraldas.
Quero música com letra boa,
tarde de domingo à toa,
o mais belo acorde que a viola entoa.
Quero o prazer de uma vida amada.

Isso basta para o seu dia.



Sinta o vento tocar sua pele e, quando isso acontecer, lembre-se de mim. A partida não é definitiva sempre. Sinta com o vento a leveza dos meus abraços e o amor que teve de mim. Quem me dera estar ao seu lado eternamente. Sinta bem a brisa e assim estará também me sentindo. Feche os olhos quando a primeira onda do dia tocar os seus pés, eles o sentirão com mais vida, com mais força. Ouça o som do mar lhe convidando a sorrir. E sorrir é um dom tão precioso. Sorria frente ao mar. Deixe seus pés molhados encharcarem sua alma de alegria. Pra quê alegria melhor que a alegria de viver? Sorria e isso basta para o seu dia.

Trilha do desespero



Há um mundo de incertezas, existe muita "realeza" que não sabe reinar. Tem muita gente liderando o caminho, mas sequer sabe caminhar. Estamos na trilha do desespero. E isso não significa que não possamos nos retificar, somos guiados pela certeza de quem nos traz. Estamos livres. Como passarinho que tem asas... mas não sabe voar. E para quem não entende palavras em grego, português, inglês, hebraico (jamais falará). Condição é decisão até que alguém mude ou simplesmente insista em ‘bilinguar’. Suporte é escapatória para os fracos. Chorar é para os fracos. Tremer, perder, esquecer, suar, cair. Tudo é para os fracos. Não há nada para os fortes. Os fortes são apenas fortes, até que a fraqueza cheia de ressentimentos vença com apatia ao lhe derrubar. A vitória é para os fracos. Perder também.

Bem vindo ao circo.

Eu vejo homens de guerra
solucionando batalhas, prontos para lutar.
Eu vejo mocinhas fardadas,
os filhos dentro de casa e elas a dançar.
Vejo mais que um simples poema,
vejo toda essa gente pequena
a crescer e a sonhar.
E os vejo mais livres e sorridentes
trabalhando cansados, mas contentes.
Com sorriso de gente sincera, que gosta de trabalhar.
Eu tenho visto o contrário sempre.
Cheios de angústia e aflição, cada vez mais gente
que recusa ao mundo se humanizar.
É o mal do século, da vida e do trabalho:
transformar homens felizes em seres apáticos.

Sob medida.


Eu carrego a sina de viver sob medida, de não me opor ao limite e de aceitar minha total dependência. Fui programado à obediência. E, ainda assim, insisto na equivalência aos meus superiores. Anseio ultrapassá-los. E me divido em muitos. Não sou o mesmo o tempo todo, mas sou vários em um só. Eu tenho nomes, jeitos e atitudes diferentes. Por isso, costumo ser mais quando quero ser menos. Suporto a farta condição de não ter um ponto de referência único e me desdobrar para encontrar o caminho certo, mesmo sabendo da sua gritante distância.

Adeus.

- Não há amor que não acabe. – Ela me disse.
Eu pensei o mesmo, mas decidi não opinar seus sentimentos. Aquele era o fim e não havia desvio ou discordância. Era o fim. E eu, mestre supremo de incontroláveis fins, aceitei. Apenas aceitei. Aceitei o fim desse relacionamento como um aidético aceita a morte, como o mar aceita as ondas. Embora enfeitiçado estivesse, não pude guardar para mim o brilho daqueles lindos olhos, nem o gosto daquele doce beijo de despedida. Estive preso.
- Desculpe, - ela sussurrou enquanto lacrimejava – eu não amo você.
- Mas houve tanto amor...
- Ou fingimento. – a mulher da minha vida chorava de raiva – Eu tentei, juro. Tentei amar você da maneira mais cruel a mim mesma, me martirizei por você, mas não posso continuar.
Depois de tanto ver lágrimas, deixei que as minhas inundassem aquele cômodo de tristeza. Aflito, quis implorar. Apenas quis, pois meu orgulho foi mais forte que o desejo de prosseguir. Eu a amava, com a certeza do mundo inteiro. E era um amor sofrido, indigente, contínuo e solitário. Eu a amava sozinho. Estive condenado a suportar todo aquele amor sozinho, preso à dor da solidão.
- Estou indo embora.
- Não, não está. – Senti o gosto das minhas próprias lágrimas amargando meus lábios – Você está presa em meu coração, em minha alma. Essa dor que estou sentindo é uma lembrança de todo sentimento que tivemos e...
Um beijo intenso, uma batida de porta. O silêncio. Sem reação, fiquei parado. É incrível como sempre tenho a sensação de que o fim sempre pode ser um recomeço. E que o amor está  exatamente no intermediário.

Aos descabeçados.



Não tenha medo de dar a cara a tapas, a menos que alguma sujeira te faça apanhar. Há tanta gente que se dói por tão pouco. Seja o que for, você pode falar o que quiser. Pode odiar quem quiser, se realmente souber o poder dessa palavra, pode inventar as mentiras que quiser. Cada um sabe da sua essência. Ter base, estrutura familiar, amor, carinho e irmandade não é pra todo mundo. Literalmente, não é.

Espero.

Estou seco...
Por dentro, por fora.
Não tenho motivação própria,
 não sinto vontade de golpear, mas continuo.
 Nada custa tentar.
Morri cem vezes,
vivi outras mil...
Tenho medo desse aspecto,
dessa dor febril.
Estou feliz...
Alcei meu objetivo
e estou aqui a cumprir.
Suspeitos
são meus olhos a lacrimejar.
De todo esse ensejo
fico aqui a te esperar.
Espero-te vida gloriosa.
Espero-te da maneira mais gostosa,
do jeitinho que sei te desfrutar.
E espero sorrindo,
vivendo e pedindo.
Amando inúmeros amores
que me impedem de amar.
Mas amo.
Amo porque tudo que sei é amar.