Devaneio sobre ti



Até que se desfaça o acre olor do teu nome em meus sonhos eu irei te buscar. Até que eu possa relegar o azo de te esquecer. Perambulo noite adentro até então. Tenho sido fido a ti, meu amor, eu te juro. Nenhuma íris é a tua, nem os risos contentes, vida, as mãos afáveis, os pelos, os lábios que não são teus tão abjetos. Quero a ti! Perdoe-me a envergadura estulta. Tudo que posso proferir são breves lembranças tuas. Apossa-te de mim, pois. É preclaro o meu sentimento, eu te juro, mas ainda há tanto futuro que não desejo. Há tanto daquilo que renego. Deslizam os meses sobre o teto e a chuva ainda cai. Eu ainda desfaleço com a chuva, meu amor, eu caio. Pois que permaneço estilhaçado ao chão... Quem sabe os teus braços reapareçam para me reerguer.

Pé na estrada



Não quero entregar os fatos da minha vida a ninguém. Quero ficar com o que vivi. Domar os instantes na memória para não deixá-los escapar é mais penoso do que se imagina. Eu gastaria uma vida inteira para decifrar o que vivi apenas num instante. É sabido que minha fidelidade ao passado é corrosiva- estou sempre a ponto de explodir,  mas assim que se me apresenta o estopim eu fujo. Covardemente. Não existe melhor maestria que a de ser covarde. Pois ser um morto-vivo tem me dado dessas vantagens: quando menos espero, algo acontece, e eu fujo do acontecimento. Não tenho válvula emocional para lidar com certas circunstâncias... Preciso mesmo sumir para suportar. Jamais vesti a capa de heroi: a minha vida inteira foi um único sentimento de angústia que se estende até então. E que tempo vivo agora? Quero ficar com o que vivi. E sofrer milionésimas vezes pelos meus erros e pelas falhas dos outros na tentativa de perdoá-los e seguir em frente (assim que encontrar a direção).

Desfalque



Eu me atiro ao fogo... Sem pestanejar. Sou todo íngreme e minha impostação é de declínios. Nunca houve em mim transição qualquer e sim fases. Fatos. Medo absurdo de cair no vendaval daquilo que não sei domar porque sou fraco. E não sei lidar com a realidade. A minha solidão é quem me liberta: quero voar. Mas se não estou sozinho eu não sou eu mesmo, finjo absurdamente, rompo minha face para desnudar a carne. Eu sou uma máscara. Até para mim mesmo. Quanto mais seco o sangue mais o vejo escorrer. A morte é que nunca vem, caríssimo desconhecido, ela sempre esteve presente.

A esperança
E então eu a recuso.
Transbordo a dilaceração da alma para torná-la límpida novamente. Eu preciso sofrer. Incito de mim mesmo a negra ave que perpetua meu desejo e me esnoba, cospe em mim, pousa suas garras e me rasga sem piedade. Torno-me tristonho, mas intrépido. Jamais abaixo os olhos- eles já nasceram voltados para o chão.

A legalização do Pau Brasil



Onde está a bola azul?
Onde está?
Não a encontro.
Roubaram de mim o reforço,
a ascensão gloriosa,
a subida luxuosa aos céus.
Onde está o veneno?
Azul embuste.
Onde está?
Procuro, busco, e não acho.
Que será de mim?
Sem a pílula alucinante,
a fumaça revigorante e afins.
Envergado estou.
Onde está a vaidade?
Onde está?
Só vejo enganos...

Inocente fim de comédia

 




Alvo de proteção, meu, teu amor. Nesta imensidão inviolável em que eu me encontro, que não cede ao tempo meu sentimento, já nem sei o que fazer. Minha bagagem é o que furtei de ti. E agora envolto no impulso de te buscar, eu me calo. Permaneço parado sem te encontrar nem me reter. Eu quero é meu sossego tão somente.

Comédia



Medusa, Caravaggio (recorte)

Chega a ser angustiante: este relato me sufoca. Não porque escrevo como se me faltasse o mundo ou a vida em si, mas por conter em mim a problemática que não existe. Eu não anseio a vida, sequer necessito, porém arremesso-me para o oxigênio para manter outrem. Mesmo eu não me suporto. Há alguém que mora em mim e que me rouba a felicidade. A esse alguém chamo de “eu”. É que minhas vontades são tão inebriantes a ponto de me entorpecer e me abandonar em marasmos ilógicos. Pensando bem, não tenho vida. A única coisa que possuo são projeções de um eu que não existe, a visão deturpada dos outros sobre mim, eu mesmo não existo. Nem sei quem sou. Então rompo minha ermida: não satisfaço minhas vontades e não vejo foco quando eu me olho no espelho. Preciso encontrar um motivo para sorrir constantemente, e com urgência, ou a tragédia da vida se intensifica e... ?

Um sopro de vida


“Pois não preciso nem mesmo de mim. Estou livre de mim. Terrivelmente desocupado porque não preciso de mais nada. Nem do dia seguinte eu preciso.”
(Clarice Lispector)

Cazuzando


Não sei fingir o fingimento brutal. Nem cedo minhas verdades em silêncio aos gritos de uma realidade a que não pertenço, porquanto é difícil permanecer imune à virose do zumbi contemporâneo. Espero sadicamente que esse período se dissipe. Totalmente. Até lá, sou obrigado a aturar, entre ânsias de vômito e espasmos enojados, a caretice desse mundo “tão moderno”. Viva a mídia da nova Idade Média.