em termos de amor e ódio

na quarta-feira, quando me dei conta do caos que a vida havia se tornado, já não tinha muito a se fazer. essa madrugada, por exemplo, tomei pelo menos quatro calmantes para conseguir dormir em paz e mesmo assim o sono veio intermitente.

suponho que viver seja mesmo doloroso. já não me importa tanto se me casarei, terei filhos, viverei tempo suficiente para observar as mudanças climáticas, isso não me interessa nenhum pouco. mas agora questões urgentes chegam a mim com mais força. 

eu quero morrer.

quero que todos ao redor morram também, mas não tenho capacidade técnica para causar quimicamente um evento de extinção humana global, algo em larga escala mesmo. também não sou um assassino que pega uma metralhadora e invade uma igreja cheio de fanáticos. 

até voltar definitivamente ao trabalho, à pesquisa acadêmica, à sala de aula, à delegacia, sei que ficarei preso a este passado terrível que me acorrenta em minha cidade natal. mas é o que me faz viver. eu quero os meus pais perto de mim, a minha irmã indagando ao lado, as minha sobrinhas brincando... não quero ficar sozinho.

e não quero ninguém.

o meu eu morreu

 coisa chata essa de podar as circunstâncias. estou velho demais. 

o tempo passou tão rápido quando um sopro e eu não sei mais o que fazer com o meu corpo, porque sinto que estou morto, mas a carcaça continua caminhando por aí e eu não quero mais carregar este peso. 

espero que o futuro me dê a coragem de alejandra pizarnik. estou pronto. não tenho mais medo e não tenho coisa alguma que me prenda a este plano. 

quero viver a circunstância de minha morte em sua mais bela plenitude.